Eu sei que vai falar que deveria notar antes...
mas só há um tempo notei.
Notei que eles tomam a rua após o expediente.
Notei que o melhor é permanecerem juntos.
Notei que os paralelepípedos podem estourar uma cabeça
e que cobertores podem incendiar.
Notei que cada moeda pode salvar o dia
e escondê-la faz ganhar mais uma.
Notei que os banheiros de estações podem aliviar e que as esposas podem adoecer.
Notei que os albergues podem ser perigosos e um calçado pode virar travesseiro.
Notei que os católicos que saem da missa podem envergonhar Deus e que seus olhares onipotentes pairando ao redor justificam o dízimo.
Notei que Domingo é o melhor dia.
As lojas não abrem.
O jato de desinfetante barato que disfarça o cheiro de urina das calçadas não respinga no seu rosto pela manhã.
Os funcionários da Prefeitura não te chamam de Lixo.
Não há o vai e vem dos assalariados
Dos engravatados.
Dos conformados.
Não há cutucões.
A polícia é mais preguiçosa nos domingos.
Pode-se dormir mais.
Assim ludibria a fome.
Notei que as sobras de lanches deixados em cima da lixeira do Mc’Donalds podem servir de banquete e que as vitrines de churrascarias são flagelos.
O garçom vem.
A carne brilha no espeto.
Você vira a plaquinha para o vermelho.
Recusa.
Fala muito.
Mal come.
Paga a conta.
Vai embora deixando fatias de Filé Mignon no prato.
O lixo agradece.
Notei que as esperas da retirada do lixo de um bom restaurante podem ser recompensadoras e fartam “pelo menos naquele dia” , enquanto você chega em casa e se irrita porque o seu time perdeu.
Notei que há lugares na cidade que salvam a sua sanidade.
O Centro Cultural Vergueiro.
A Escadaria do Teatro Municipal.
A Praça da República.
As noticias estendidas nas bancas de jornal.
Ver as prostitutas da Praça João Mendes.
Só ver.
Ir no banheiro de bar e gozar.
Notei que há mais histórias e personagens nas ruas do que nos palcos.
Notei que não há glamour na pobreza.
Notei.
Eu sei que vai falar...
que deveria notar antes.
Mas devo lhe falhar...
Que só notei
porque há um tempo atrás
eu também estava lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário