LENISE PINHEIRO--- COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
MARIA EUGÊNIA DE MENEZES--- DA REVISTA DA FOLHA
De vestido vermelho e espartilho, a prostituta se despede do cliente habitual. Sugere que, na noite seguinte, continuará esperando por ele e lhe oferece a boca em um beijo. No palco, quase não há luz. Nenhuma lâmpada se acende, e a plateia só é capaz de entrever a ação porque, presas aos corpos dos atores, duas pequenas lanternas revelam seus semblantes.A descrição é de uma passagem de "Jardim Inverso", peça que prescinde do iluminador e entrega aos próprios atores a tarefa de manipular objetos como luminárias e abajures. "A luz é um signo", define o diretor Paulo Faria. "E tem a função de ser ela mesma uma dramaturgia." Uma proposta que é cada vez mais comum entre produções de grupos paulistanos.Em cartaz em São Paulo no Carnaval, ao menos outros três espetáculos enveredam por caminho semelhante. Em "Abracadabra", "Concerto de Ispinho e Fulô" e "Festa de Separação -Um Documentário Cênico", encenadores e iluminadores aposentaram os refletores e se debruçaram na busca por uma luz que soe menos artificial.Para radicalizar a proposta, o diretor e ator Luiz Päetow delegou ao público o posto de iluminador. Tão logo se acomodam nas poltronas, os 50 espectadores de "Abracadabra" recebem uma lanterna com a qual devem escolher quais elementos desejam desnudar em cada cena (leia mais em cacilda.folha.blog.uol.com.br). "Queria entregar esse poder à plateia, colocá-la em pé de igualdade com o ator", diz Päetow, indicado ao Prêmio Shell pela iluminação da peça "Music Hall".No escuro da sala de teatro, não são poucos os que rejeitam a proposta, revela o ator, e enxergam no resultado "uma cacofonia dispersa". Mas, em seu raciocínio, quem ultrapassa esse desconforto inicial encontra uma nova experiência. "As pessoas se sentem um pouco crianças. É um estímulo muito primitivo, de liberdade, que quebra com o sistema hierárquico que o teatro preza tanto."Quem também está fugindo das convenções teatrais é Luiz Fernando Marques. À frente de "Festa de Separação", o diretor opta por iluminação minimalista, feita pelos atores, e sublinha linguagem que já aparecia em trabalhos anteriores com o grupo XIX de Teatro. "Nunca trabalhei com técnico de luz."Para tematizar o rompimento de um casal, atores e diretor criaram um desenho de luz que lança mão de abajures, lanterninhas e do reflexo das projeções de vídeo que acompanham as cenas. "Não queríamos uma iluminação "deus ex machina", mas algo que estivesse ao alcance da mão", resume a intérprete Janaina Leite.Em "Concerto de Ispinho e Fulô", o iluminador Fabio Retti não abdicou dos tradicionais refletores. Para compor a aura de cidadezinha do interior do Nordeste que cerca o encontro entre uma companhia de teatro e o poeta Patativa do Assaré, Retti valeu-se de todos os recursos disponíveis.Nas mãos dos atores, pôs lamparinas, candeeiros e luzinhas. Ao público, entregou 24 luminárias, usadas em uma única cena. A criação de efeito semelhante, calcula, demandaria cerca de 30 canhões de luz, se feito de forma mecânica. "E com a vantagem de que o espectador não faz iluminação estática, que revela apenas a ação do ator. É um movimento de luz vivo, natural e aleatório".
Matéria da Ilustrada da Folha de São Paulo do dia 13/02/2010
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